Arquivo Pessoal: Sobre viagens e acessibilidade

Belo Horizonte - Minas Gerais

Uma das coisas pra qual quero usar o blog (mais que o canal) é pra guardar memórias e ter um lugar pra escrever sobre minhas experiências pessoais nessa imensidão que é nosso espaço e tempo.

Tive a experiência de viajar como adulta pra fora do estado pela primeira vez nesse último fim de semana de Maio. Viajar é algo que sempre quis fazer, desde que me conheço por gente, e foi incrível poder entrar num avião pela primeira vez e tive experiências muito boas enquanto estava viajando.

Voar e estar em lugares desconhecidos é amedrontador para todo mundo, mas acredito que pras pessoas que estão dentro do TEA e tem problemas sensoriais essa é uma experiência que pode ser ainda mais assustadora.

Para que essa viagem pudesse ser concluída houve um trabalho individual e conjunto. Um trabalho comigo mesma pra me preparar, planejar e diminuir minha ansiedade. E um trabalho em conjunto com meu acompanhante da viagem e até  mesmo com minha psicóloga.

Eu sempre soube que seria impossível não ficar ansiosa, e "me virar" não é uma experiência nova pra mim. No entanto, uma viagem envolve muito estímulo, físico, emocional, sensorial, e isso acarreta em um trabalho interno muito grande para se manter estável quando se é afetada por essas questões.

Acredito que tive muita sorte em poder planejar tudo (até mesmo me planejar para eventuais quebras dos planos e mudanças), e também de ter tido voos tranquilos e ido a lugares que não eram tão sensorialmente estimulantes, tudo isso contribuiu para que eu me sentisse bem durante todos esses dias, mas ao longo dos dias me peguei pensando que muitas pessoas na mesma condição que eu talvez tivessem muito mais dificuldade de frequentar certos ambientes, e isso me pôs a pensar na questão da acessibilidade.

Praça da Liberdade/Circuito Cultural da Liberdade - Belo Horizonte (MG)

Dos lugares que visitei em Belo Horizonte, os mais acessíveis em termos de questões sensoriais foram definitivamente os museus do circuito da praça da Liberdade, a praça estava bem lotada e barulhenta ao longo da tarde, mas os museus (todos gratuitos) estavam bem esvaziados e nenhum deles se utilizava de luzes fortes ou sons (embora algumas instalações tivessem alguns estímulos sonoros), foi uma experiência muito agradável poder olhar as obras sem ter a visão perturbada por muita luz e movimento. Provavelmente minha parte favorita da viagem.

Exposição Dragão Floresta Abundante no CCBB



Minha exposição favorita foi a Dragão Floresta Abundante, no Centro Cultural Banco do Brasil, uma série de instalações com diferentes mídias e interatividade onde o artista conta sobre sua experiência durante os anos que morou em Pequim. Além de esteticamente bonita achei a oficina proposta no fim da exposição bastante simbólica, seria uma "fábrica" onde você teria que produzir 15 pipas para poder levar uma pra casa, uma crítica ao sistema de produção de massas.

Além dela, passamos por mais duas exposições em museus próximos, uma sobre pessoas célebres nascidas em Minas e uma sobre a história da mineração e rochas no estado.

Exposição sobre extração de minérios no Brasil, no museu Minas Centro.

Exposição sobre pessoas célebras de Minas. Entre elas, Guimarães Rosa. 
No Memorial Minas Gerais Vale

Antes de seguirmos para o circuito cultural da praça da liberdade, passeamos de manhã pelo Mercado Municipal de Belo Horizonte. Provavelmente minha parte menos favorita da viagem toda. O espaço tem muita coisa bacana, artesanato, comidas típicas, mas não sei se por conta do horário/dia em que visitamos ou se é sempre o caso mas o mercado é extremamente cansativo pra qualquer pessoa com problemas sensoriais.
Muita gente e muito barulho, muita luz, muita informação sensorial e nenhum lugar com pouco movimento onde pudéssemos sentar e respirar. Nem cheguei a registrar o espaço, queria sair dali o mais rápido possível depois de comprar as lembranças de viagem que prometemos levar.

No dia anterior ao dos passeios à museus participamos do evento que foi, primeiramente, a razão da viagem. O Festival Internacional de Quadrinhos acontece em Belo Horizonte a cada dois anos e é o maior evento especializado em quadrinhos no país. 
É um evento bem menor que a Comic Con e com um ambiente muito mais tranquilo, chegamos em um horário em que pudemos olhar tudo sem muita gente e quando o evento estava bastante lotado ainda era possível encontrar lugares isolados. Nada de luzes piscando e barulho sem interrupção que são coisas comuns em eventos grandes.
Graças a tudo isso, e estando com uma companhia com quem me sinto confortável, consegui aproveitar muito o festival, ouvir palestras, conversar com pessoas que desenham ou falam sobre quadrinhos como profissão e tudo isso foi muito bacana.
Destaco aqui a palestra que pudemos assistir de Dave Mckean, maior atração do evento e parceiro criativo de Neil Gaiman, que lançou a pouco tempo um quadrinho chamado Black Dog, que me deixou muito animada pra tentar produzir mais arte. Sei que é clichê mas ver alguém grande da indústria sendo tão mente aberta e encorajador para com artistas novos me aquece muito o coração.


Quadrinhos que comprei no festival e auditório onde ocorreram as palestras e rodas de conversa.


Por fim, sobre o avião e a hospedagem no geral. Nunca tinha andado de avião antes e tive um pouco de ansiedade antes do vôo mesmo estando medicada. O hotel em que ficamos foi bastante assustador no primeiro dia, um prédio antigo e com pouca iluminação e não muito convidativo.
Mas levamos um cobertor macio para ajudar no frio e na questão sensorial, e o café da manhã tinha opções sem glúten e vegetarianas, então no geral tudo deu certo.


É possível viajar com Asperger da mesma maneira que é possível viajar com transtornos de ansiedade. Se tivermos uma acessibilidade mínima, planejamento extenso, e compreensão das pessoas que estarão conosco ao longo da viagem.
Sempre soube que viajar, assim como qualquer coisa que mude minha rotina e me coloque em situações inesperadas, não seria fácil. Mas é algo que não quero me privar de fazer por conta das dificuldades trazidas pelo TEA. Quem sabe um dia, num futuro não tão distante, não tenhamos acessibilidade em todos os lugares, espaços privados para nos recuperar, possibilidades de controlar questões sensoriais sem que isso nos coloque em perigo como quando usamos bloqueador de sons. Até lá, continuarei tentando fazer com que possa ter todas as experiências que alguém fora do TEA teria, ainda que me custem muito mais. Assim como a sociedade não deixa nos cobrar excessivamente por estarmos dentro do aspectro, não devemos deixar de cobra-la pra que possamos ter experiências confortáveis em tudo, tanto quanto as pessoas para quem a sociedade é moldada.











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